sexta-feira, 21 de junho de 2013

Aldeia Hippie na Bahia

Alheia à Copa, aldeia hippie na Bahia troca Neymar por jegue "Moleque"
O jegue "Moleque" tem vida boa com a família na vila hippie em Arembepe Foto: Janir Júnior
Por ali não se escuta grito de gol. O canto de centenas de passarinhos é a sinfonia que impera. Naquela grande área entre rio, cachoeira e praia, quem manda não é Neymar, mas sim o jegue “Moleque”.  Uruguaio, Leandro só soube que a seleção do seu país vencera a Nigéria por 2 a 1, nesta quinta-feira, na Fonte Nova, por um acaso. Neste sábado, Brasil e Itália farão, em Salvador, o jogo mais badalado da primeira fase da Copa das Confederações. Enquanto a cidade ferve com a partida, com festejos de São João e protestos, uma aldeia hippie, em Arembepe, município de Camaçari, a 30 quilômetros do Centro de Salvador, segue ao ritmo de paz e amor. Ninguém respira futebol, mas, sim, a maresia do mar e muito verde.

Leandro mora na vila hippie há cinco anos. Chegou do Uruguai, se casou com uma brasileira com quem tem cinco filhos – todos com nomes alternativos - e não se interessa em dizer o sobrenome nem falar de futebol.

- Só soube que o Uruguai ganhou, pois ouvi falar por aí. Eles ganharam, eu não ganhei nada (risos). Essa chuva da Copa passa e não me molha. Para quem ganha dinheiro é um prato cheio. Mas tem turista que vem assistir ao futebol e nem chega por aqui. Fica com medo dos cabeludos e acha que todos dormem pelados juntos – brincou Leandro, com seus longos dreadlocks, enquanto preparava um prato de mingau para o filho.

Atualmente, a população da aldeia de Arembepe é calculada informalmente em 50 pessoas. Isso sem contar os que chegam, ficam por um tempo e somem. A vila hippie, a primeira do Brasil, surgiu em 1970. Nessa época, Janis Joplin passou algumas temporadas na beira da praia e com loucuras que viraram lendas. Caetano Veloso e Gilberto Gil também pousavam pelas areias. Mick Jagger foi outro que se apaixonou pela bucólica região que também tem fama de afrodisíaca.

Tem casal que vem, fica mais tempo do que o previsto e, anos depois, volta com seus filhos que dizem terem sido gerados aqui em Arembepe – contou um dos moradores.

As casas são de madeira, pedra, barro e palha. Os banheiros ficam do lado de fora e têm funcionamento orgânico. Nem todos os moradores têm energia elétrica. Carros não passam do portal da Aldeia, ainda de barro. Depois, o percurso é feito com uma caminhada pela areia. Bem próximo, funciona o Projeto Tamar, que mantém uma de suas principais bases para preservação de tartarugas-marinhas em Arembepe.

Vista da Aldeia Hippie de Arembepe, litoral da Bahia. Foto: Lígia Nogueira G1

Na manhã desta sexta-feira, véspera de Brasil x Itália, um dos filhos de Leandro, Queñoa (que faz menção a uma planta com flor), até disse, sem entusiasmo, que gosta de futebol. Mas não tinha uma bola em casa. Nem esboçou qualquer reação quando ouviu o nome de Neymar. Porém, bastou o jegue de estimação da família aparecer para o menino de sete anos vibrar como se fosse um gol.

- O nome dele é "Moleque". "Moleque"! – afirmou Queñoa, enquanto já montava no bicho, brincava e levava uma mordida sem maior gravidade.

Moleque é mais um integrante da família. Come tapioca no prato sobre a mesa, circula livremente, encosta as longas orelhas na caixa de onde sai o som, derruba um copo de café e “rouba” as ervas separadas pelo patriarca da família para a feitura de um chá.

Mas o jegue em momento algum é repreendido. Mesmo com a pressão de ter feito algo que poderia ser considerado errado, recebe carinho e festa de fazer inveja a Neymar na Seleção.

A irmã de Queñoa, Anahinayá (nome de duas flores), se confunde com a idade, não sabe dizer ao certo se tem 10 ou 11 anos. Está ainda mais desantenada quando o assunto é futebol. Na casa autossustentável da família não tem televisão. A energia elétrica é usada para um rádio ligado em música o tempo todo.
Encantada com simples folhas de um bloco de papel e caneta, ela revela um dos seus gostos.

Uruguaio, Leandro nem quer saber da Celeste: só da família e do jegue "Moleque" Foto: Janir Junior


- Gosto de desenhar – disse Anahinayá, enquanto rabiscava uma mistura de carro e nave espacial.

Artesãos e apoio a protestos espalhados pelo país

Grande parte dos moradores da aldeia hippie trabalha com artesanatos. Os filhos de Leandro aprenderam desde pequeno a fazer costurar em bolsas e talhar cocos que viram suvenires.

Domingues vive na aldeia há 15 anos. Toca violão e não curte muito sair do anonimato. Jarbas Souza foi um dos pioneiros do local. Um dedo de prosa é sempre feito com hospitalidade. Mas o assunto Copa das Confederações passa ao longe. Já as manifestações que assolam o país são debatidas e apoiadas.

- Gastam dinheiro com a Copa, e um dia desses um morador daqui deslocou o ombro e esperou mais de cinco horas no hospital. Tinham que fazer isso no estrangeiro, que é onde está o dinheiro – reclamou um dos vendedores de artesanato postado na entrada da aldeia.

O uruguaio Leandro também se mostra antenado com o momento do Brasil fora das quatro linhas. Apesar do tom de paz e amor, ele exalta a luta pelos direitos:

- Os governantes têm que sentir que o povo não está satisfeito. Tem que protestar mesmo.

Neste sábado, quando Brasil e Itália estiverem no gramado, é pouco provável que se escutem fogos de artifício na aldeia para celebrar a seleção. Caso aconteça, certamente será pelos festejos de São João, que tomam conta de Salvador. Certamente, o resulto do jogo vai aparecer novamente por um acaso, quase assobiado por um vizinho.

Naquele cantinho de Salvador, o ritmo é bem diferente do que vive o país, não só no momento atual, como ao longo do tempo. Muitos turistas e curiosos gostaram da aldeia, se arriscaram a ficar e tentaram virar hippies, contrariando o lema local de que “não existe você virar hippie, tem que nascer assim”.

As crianças são alguns dos exemplos do espírito livre e o desapego ao futebol. Nenhuma delas tem o moicano de Neymar. Mas todas amam o jegue Moleque.


Por: Janir Júnior. Arembepe, Salvador


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